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terça-feira, 4 de maio de 2010

Qual é a universidade que temos e qual a universidade que queremos?

Em recente divulgação via blog o renomado professor Simon Schwartzman esboçou uma proposta para modificação da pós-graduação brasileira, com severas críticas ao sistema atual, baseado na extrema centralização pela CAPES. (acesse aqui o post no Simon's Blog; acesse aqui o texto integral). Tive contato coma a proposta dois dias após ter a ingrata surpresa de ver que meu contracheque deste mês não contemplaria o prometido pagamento das gratificações atrasadas, anunciado pela autoridade máxima da UnB (acesse aqui uma análise sobre a incongruência das informações oficiais e reais). O clima de ceticismo me acompanhou na leitura do documento do Prof. Simon. Na oportunidade fiz alguns comentários mais genéricos sobre as linhas mestras da proposta, mais voltados para problemas de implementação (acesse aqui os comentários, com a resposta do prof. Simon). 
Alguma horas depois o TRF deu perda de causa ao SINTUB, com decisão de corte de 26,05% dos vencimentos dos funcionários da UnB, com indicativo de ainda terem que ressarcir ao erário retroativamente os valores já recebidos. Isso equivale, grosso modo, que cada funcionário deve ao erário 1 ano de trabalho para cada 4 anos trabalhados. Como a ação dos professores ainda não foi julgada, nada impede que o mesmo tipo de olhar seja aplicado no nosso caso. A despeito da nota oficial da reitoria sobre o pagamento integral dos atrasados ainda sou credor da UnB de um valor importante para minhas despesas mensais, que fará com que nesse mês eu tenha que usar minha poupança para poder pagar minhas contas. Sou professor concursado de universidade pública, em tempo integral, desde de 1994. Oriento, publico, produzo e colaboro na administração para não conseguir fechar meu mês e ter uma ameça real (apesar de improvável) de vir a ter que dever cerca de um ano de salário pelo simples fato de ter trabalhado com dedicação??? Hoje de tarde, em conversa promovida pela ADUNB com os advogados que nos representam fiquei mais tranqüilo em saber que essa possibilidade é real, porém improvável. Por ela, eu teria acumulado em cinco anos e pouco de docência da UnB uma dívida de cerca de R$ 72.000,00 !!! Pode ser que o valor não esteja correto, mas dever por ter trabalhado é algo passível de denúncia sobre trabalho escravo às autoridades competentes. 
O que isso tem haver com a proposta do Prof. Simon? Tudo e nada ao mesmo tempo. Por um lado não dá para direcionar a vivência e as atividades científicas da universidade para as demandas economicistas e trabalhistas, sob o risco de cair no aparelhamento ideológico, que em nada contribui para o desenvolvimento da ciência. Por outro lado sem professores e funcionários ganhando dignamente (ou pelo menos não vindo a perder o não tão digno salário) não dá para ter condições mínimas de se produzir ciência. Durante a greve tenho tentado trabalhar nos blogs, na orientação de alunos e em pesquisa. No final de semana fechei um artigo que submeti hoje. O artigo foi finalizado tendo como pano de fundo boletins de greve, notícias confusas sobre o pagamento ou não de salários e, por fim, uma consulta bancária para ver de onde vou tirar o dinheiro para o mês. Será que outros professores universitários de países sérios têm esse tipo de preocupação? Será que é possível melhorar realidade brasileira de produção de conhecimento científico sem mexer na falida  infraestrutura universitária? Todo começo de ano recebo vários e-mails de ex-alunos de graduação que buscam conselhos para  desenvolver uma carreira acadêmica e serem professores universitários. Esse número cai a cada ano. Em 2010 uma ex-aluna, ao se inteirar da atual situação da UnB, simplesmente desistiu, me avisando que acha mais interessante estudar para algum concurso público, de carreira técnica. Hoje os alunos entram e saem do mestrado com um nível de leitura muito baixo, com poucas incursões à obras internacionais. A proposta do prof. Simon, mesmo que feita para começar no ano que vem, não terá efeitos imediatos. No período de 10 anos previstos muitos professores sairão da universidade sem serem substituídos à altura. Engana-se quem pensa que para fazer pesquisa e manter a pós funcionando bastam ter doutores. Doutores o Brasil tem produzido em uma quantidade acelerada, mas, como bem mostra o prof. Simon, sem um reflexo equivalente nos indicadores (sempre discutíveis, mas são um parâmetro) de produção científica.
O dito popular sobre o marido bêbado -- que afirma que é ruim com ele, mas pior sem ele -- se aplica bem à situação atual da UnB: se mantivermos a greve, lutamos por nossa dignidade, contra o sucateamento da universidade (e dos profissionais que nela trabalham), mas continuaremos a paralisar dois terços de suas atividades-fim (o ensino e a extensão) e a improvisar (mais ainda) com a pesquisa. Se voltamos, retomamos as atividades "normais", podendo até sonhar com melhores dias para a pós-graduação, porém assinando em baixo do achacamento sofrido pelos funcionários, que, se voltarem às atividades, estarão 35% menos motivados para desempenhar as atividades-meio, fundamentais para o bom (?) funcionamento da instituição. Por outro, lado, a persistência da greve, que começa a perder fôlego, parece ser incapaz de alterar esse quadro de coisas...
SUGESTÃO DE ATIVIDADE:
a) ler e comentar o artigo do prof. Simon;
b) indicar seu posicionamento quanto à pertinência ou não da continuidade da greve, seguido de justificativa. Aqueles que são favoráveis ao fim da greve podem assinar o abaixo-assinado blogal do Marcelo Hermes Lima clicando aqui.

Um comentário:

  1. A) Gostei muito de saber que há uma real perspectiva de sairmos desse processo autofágico de produção de indicadores na pós-graduação.
    Tenho, no entanto, algum incômodo com o modelo estadunidense, adaptado para as plagas tupiniquins: a vinculação da pesquisa à lógica da produção e das empresas em um país sem nenhuma tradição cultural séria pode minar aquilo que Milton Santos defendia como a necessidade das humanidades na universidade para que o Brasil possa ser o Brasil profundo. Assusto-me também com a lógica da produção e o modelo econômico histórico brasileiro, marcado por empresas sem nenhuma responsabilidade social, cujo afã pelo lucro e produtividade imediatista tem dado pouca ou quase nenhuma importância ao desenvolvimento e/ou fixação de tecnologias. Não vejo uma articulação suficiente do governo, com a necessária autonomia do segmento ligado à ciência, capaz de garantir que a política científica não se torne refém do desenvolvimento econômico. A idéia de uma pós-graduação paga, com os devidos mecanismos de compensação sócio-econômicos, é bem-vinda, em teoria. O problema é aplicar isso na prática, de modo que o recurso efetivamente chegue à pesquisa e que os programas tenham autonomia para aplicá-los como for necessário para o atendimento das necessidades próprias, respeitando os objetivos das parcerias financiadoras. Hoje, infelizmente, a burocracia da universidade ajuda a apertar os nós colocados pela CAPES. A falta de noção sobre o que é ciência do judiciário contribui para emaranhar ainda mais o novelo…

    B)Favorável ao retorno às atividades, para evitar um desgaste maior e para não paralisar a ciência na UnB, DESDE que resultante de decisão coletiva.

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