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quarta-feira, 12 de maio de 2010

Educação: para onde vamos?


Continuando a discussão sobre os rumos da universidade brasileira, o Correio Braziliense de ontem publicou um ótimo texto de Issac Roitman sobre o papel da universidade para alavancar o desenvolvimento nacional e sobre a importância de o país ter uma postura real, condizente com o discurso, que até o momento, historicamente falando, não ultrapassou os limites da demagogia política. É importante ainda alertar para o perigo do investimento maciço, sem qualidade, no ensino básico às custas do sucateamento (estrutural e pessoal) das universidades públicas.

Sugestão de atividade:

Leia e comente o texto abaixo:
Educação: para onde vamos?
Isaac Roitman
Membro titular da Academia Brasileira de Ciências e coordenador do Grupo de Trabalho de Educação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
Na maioria dos países, os sistemas educacionais estão sendo revistos. Espera-se que a educação prepare os jovens para o mundo do trabalho, para sua independência econômica, para que eles possam viver de forma construtiva em comunidades responsáveis e para que possam conviver e compreender a diversidade cultural de uma sociedade que se transforma de uma forma muito rápida. Espera-se que a educação ajude os jovens a construírem suas vidas em um cenário de futuro que ninguém com certeza pode predizer. 
No Brasil, há muitas décadas todos os governos proclamam que a educação é sua meta prioritária. Proclamação demagógica e enganosa. Segundo todos os índices e pesquisas nacionais ou internacionais, a qualidade da educação brasileira é cada vez mais vergonhosa, constituindo-se como a maior das tragédias nacionais. O papel do educador enquanto facilitador da liberdade de aprendizagem para transformar socialmente os indivíduos não passa de uma intenção não concretizada na educação brasileira. 
Ainda durante 2010 o Congresso Nacional definirá o Plano Nacional de Educação (PNE), estabelecendo as metas e prioridades para o período de 2011 a 2020. A discussão será baseada nas proposições que deverão emergir da Conferência Nacional de Educação (Conae), evento que terminou no início de abril. Certamente, nossos parlamentares terão um cardápio de ações relevantes para a melhoria da qualidade de educação em todos os níveis. 
O PNE atual, assim como os anteriores, deverá pautar as ações necessárias em várias dimensões para mudar o cenário da educação do país: 1. Qualificação de professores com formação científica atualizada, adequada e comprovada; 2. Condições de trabalho que permitam a atualização permanente e acesso às metodologias modernas do ensino e aprendizagem; 3. Remuneração atrativa; 4. Substituição de conteúdos inúteis por exercícios de criatividade, crítica e de resolução de problemas; 5. Arquitetura escolar adequada; 6. Gestão eficiente; e 7. Avaliação interna e externa. Ou iniciamos agora uma verdadeira revolução na educação ou estaremos a lamentar nas próximas décadas ter perdido mais uma oportunidade de sermos protagonistas da transformação social que nosso povo merece. 
Sempre é bom lembrar e destacar que há algumas décadas vários países decidiram eliminar a tragédia da educação que os assolavam. Esses países não estavam em situação muito diferente da nossa. Vamos lembrar o exemplo da Coreia do Sul, que na década de 50 do século passado estava destruída por uma guerra civil que dividiu a Coreia ao meio e a maior parte da população vivia na miséria. Um em cada três coreanos era analfabeto. Hoje, oito em cada 10 chegam à universidade. 
A transformação começou com uma lei — integralmente respeitada — que tornou o ensino básico prioridade. Inicialmente, os recursos foram concentrados nos primeiros oito anos de estudo. Os frutos dessa decisão não demoraram a serem colhidos. O país começou a crescer rápido, em média, 9% ao ano, durante mais de três décadas. Hoje, graças à sólida massa crítica de cientistas que forma todos os anos, a Coreia está pronta para entrar no Primeiro Mundo, tendo como cartão de visita uma incrível capacidade de inovação tecnológica. 
Poderíamos pensar que os coreanos perderam a inquietação dos anos 1950. Ledo engano. Em dezembro de 2009, um documento foi elaborado pelo Ministério da Educação e Ciência e Tecnologia daquele país: Políticas e planos para 2010. Uma das metas seria o estímulo à criatividade na educação, sobretudo na básica. A meta envolvia a redução dos conteúdos e o incentivo ao domínio das linguagens, da matemática, dos estudos sociais e da ciência, da consciência da diversidade cultural, da habilidade para solução de problemas e da capacidade de trabalhar em grupos. 
Temos que decidir agora qual país legaremos aos nossos descendentes. Se nada fizermos, seremos no futuro uma sociedade com graves injustiças sociais, com índices assustadores de violência, com total desrespeito ao próximo e outras mazelas amplificadas que temos no presente. Certamente seremos um país colonizado e explorado. O futuro da educação está em nossas mãos. Cabe a todos nós decidir para onde vamos. 
Fonte: Correio Braziliense, 11/05/2010. p.19

5 comentários:

  1. Este é um comentário de um estudante com um ano de frequência regular em uma universidade federal, e pouquíssima experiência nos debates a respeito da vida universitária ou educação superior.

    A impressão que tive nesse curto período é que há uma exagerada preocupação dos docentes com o campo de pesquisa. Não vejo uma integração muito evidente entre as atividades de pesquisa e a atividade docente. Pergunto-me por que poucos egressos do curso de Arquivologia da UFBA enveredam para o campo de pesquisa, ou ainda, por que tão poucos graduandos se destacam em pesquisa.

    Evidentemente há um grande desinteresse da grande massa de estudantes pela pesquisa. Talvez pelo próprio caráter de inacessibilidade através do qual nos é apresentada esta que é uma das atividades norteadoras do fazer universitário. Nada tenho contra a pesquisa - desejo inclusive me dedicar como voluntário num momento mais oportuno.
    Porém, é muito dicfícil falar de pesquisa em termos de amor ao saber: toda uma gama de recursos que são mobilizados para possibilitar uma pesquisa (inclusive financeiros) nos dão noção das consequências epistemológicas, sociais, comerciais, resultantes dessa atividade. A impressão que fica é que se trata muito mais de uma questão política ou de uma forma de os próprio orientadores de projetos (os fazedores de ciência) sedimentarem suas teses e se inserirem numa espécie de vanguarda do conhecimento (Evidentemente isto é uma generalização).

    Para amarrar este longo e maçante comentário ao texto de Isaac Roitman, quero dizer que um obstáculo à concretização de uma educação de qualidade é certamente esta política (êita termo recorrente!) clara de exclusão que existe já dentro das universidades.

    Será que fui contestador sem ser esquerda?

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  2. Ícaro,

    Obrigado pela sua opinião. Não vejo a coisa tão assim como vc coloca, mas acho que seu ponto de vista é bem válido e repleto de evidências para sustentá-lo. Talvez uma grande parcela do que se rotula como pesquisa nas IES seja simplesmente pró-forma. Mas há muitas outras pessoas que se envolvem de verdade com pesquisa, e isto, acaba sendo fundamental para uma boa colocação profissional, inclusive. Por exemplo, nós sabemos que o modelinho de classificação do CONARQ é bem problemático, porém, aqui em Brasília, os alunos, em geral, preferem se ater à aplicação do modelo, porque é o que terão que fazer no "mercado da administração pública" daqui do que procurarem desenvolver pesquisa, no sentido de pensar alternativas (ou mesmo a suplantação) ao modelo. Concordo com a sua constatação de que os alunos de Arquivologia dão pouco valor às atividades de pesquisa. Tenho tido muita dificuldade por aqui em achar alunos interessados em desenvolver PIBIC. Não sei se é pela cidade (onde todos têm "bons" "estágios" na administração pública), ou se é pelo fato de a área ser, em princípio, mais técnica. Fui professor no curso de história em Maringá por 11 anos e lá os alunos "se matavam" para fazer iniciação científica. Aqui, desde 2005, só consegui aprovar 3 projetos: no 1º a aluna desistiu no meio do caminho e consegui um substituto, que fez uma ótima pesquisa; o segundo foi realizado até o fim, mas a aluna, já formada não trabalha com pesquisa; o 3º tive que mandar cancelar porque a aluna simplesmente desapareceu e não dava retorno. Estou tentando mais uma vez. Os resultados não são muito alentadores até o momento, porém já tenho uma aluna bem interessada, que deverá vir a desenvolver um bom projeto. Em Maringá eu tinha uma média de 3 iniciações por ano. Aqui não consigo isso em 5 anos! Se quiser, dê um pulinho no blog de minha pesquisa clicando aqui.

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  3. Fico sempre com um "pé atrás" com essas comparações soltas e descontextualizadas. É um discurso muito batido (fácil e falho) esse de fazer paralelos entre culturas e nações que têm antecedentes históricos completamente distintos. Tudo bem: devemos procurar exemplos. Talvez a Coréia possa ser usada apenas como um exemplo de superação. Mas dai a tentar aplicar o que foi feito lá é um salto enorme.
    O Brasil não tem um projeto de nação há tempos. O nosso planejamento sempre foi calcado no controle da inflação e na taxa de crescimento do PIB. A educação deve estar ancorada num projeto de país; e não ser tratada como uma coisa solta e isolada. Muito menos como um mecanismo de justificativa de crescimento econômico (ohhh a Coréia cresce 9% ao ano). A questão não é quanto se cresce, mas o que se faz com esse crescimento? Eu não quero um crescimento Chinês, que traz consigo uma série de problemas que ninguém discute. São sempre números, números e números.
    Além disso, existe uma questão de cultura q sempre está atrelada às questões históricas. Se ele fala da Guerra Civil da Coréia, o Brasil sempre esteve em Guerra, e várias por sinal: contra a fome, a corrupção, a violência, o desemprego, a falácia política.. e tantas mais. Isso sem falar na nossa herança escravista, que muitos tendem a menosprezar. Em 1888 "terminamos" com o pensamento de achar que um ser humano pode ser superior ao outro por intermédio do domínio físico! Em 1789 a França já pensava em liberdade, igualdade e fraternidade em termos de ideais.
    Enfim, o que quero dizer é que é sempre difícil discutir as coisas sem as questões de "cultura" e entendimento do nosso “rascunho” de país. Temos que olhar pra dentro de nós. É fácil dizer "a X fez isso"; quando que a pergunta deveria ser: "pq não fiz ainda?" "o que me impede?". E ai sim começar a se pensar num projeto de mudança.

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  4. Rodrigo, como historiador que sou, você sabe que concordo inteiramente com a necessidade de relativização de conceitos aos respectivos contextos históricos. Concordo também que um projeto nacional, que saia da fácil demagogia política (o mês em que se arrocha o orçamento da Educação, Sáude e Ciência é o mesmo em que se cria um ministério para os jogos olímpicos) tem que ser muito mais discutido ao invés de apenas replicar experiências bem ou mal sucedidas alhures. De todo modo, você há de convir que sem a revitalização da universidade como polo formador de conhecimento, pesquisadores e inovação, não há projeto nacional que vingue no mundo de hoje. Como comentei ao Simon Schartzman (veja aqui). Não sei bem se o modelo universidade-empresa é o que mais me agrada, mas tenho absoluta certeza que o arremedo de modelo atual não me agrada nem um pouco e que, muitos dos pontos elencados pelo Isaac Roitman, seriam muito bem-vindos para começar fazer o "turning point".

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  5. Concordo com o Rodrigo sobre o fato de que o Brasil deve olhar para si, para seu povo, sua cultura, costumes, identidade e, aí sim, a partir disso, elaborar um plano de mudança educacional. Porém, é inevitável buscar bons exemplos: Coréia do Sul, Irlanda, Holanda, Noruega, todas essas, e outras, são experiências importantes, sobretudo do ponto de vista do comprometimento das autoridades políticas no efetivo cumprimento do que foi proposto. A mudança do sistema educacional no Brasil, na minha opinião, deverá partir da quebra do paradigma (estigma talvez fosse melhor) de que estudar te torna "alguém na vida". Esse viés puramente mercadológico, econômico da educação, de buscar a retribuição puramente material/financeira, não serve se quisermos construir uma sociedade crítica, identificada culturalmente e participativa. Uma nova EDUCAÇÃO deve prever um plano maior, um plano de país, de nação.

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