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sexta-feira, 17 de junho de 2011

O professor, o Brasil, hoje (hoje?, desde de sempre e até quando?)

Professor grevista carrega policial ferido - copiado de O mundo bizarro de José Serra

Meu aluno e professor Eduardo Alentejo, após assistir ao depoimento da professora Amanda Gurgel do Rio Grande do Norte denuncia:
"Professores de todos os níveis, em todo o país, vivem a situação descrita - e as vezes pior do que a descrita por esta professora. O ponto em comum no processo de deteriorização que a professora denuncia é o discurso político que consguiu, em parte, contaminar o pensamento popular sobre qualidade da educação, diz a professora Amanda: basta de números estatísticos ... é necessário parar de associar o discurso da qualidade da educação à situação de sala de aula, o professor como culpado pela falta ou responsável por gerá-la. Chega de iniquidade, chega de deteriorização do ensino, chega de desprezo. Não dá para ver deputados, secretários de Educação, Ministro e diretoria da Educação, viverem uma espécie de la vie en rose enquanto nós professores vivemos o inferno de Dante. Vamos modificar esse cenário: vamos exigir intensificadamente um sistema educacional com o comprometimento e responsabilidade de todos, isso requer quebrar o paradigma ditatorial da vergonha nacional: educação. Por favor, assistam o vídeo:

O cenário se repete parece que eternamente. A solução para o problema da educação sempre recai nos professores. Devem ficar mais tempo em sala, devem atualizarem-se em relação às novas TIC, devem preparar melhor as aulas, devem reservar um tempo para atendimento de alunos, devem participar de comissões e (no caso da universidade) participar ativamente da burocracia, porém devem fazer isso por meio de mágica, já que não são dadas as condições efetivas para tanto. 

Os professores, para o poder público, são vistos, como bem evidenciou a professora potiguar, como redentores da pátria. Somos seres mágicos, como as mães: não temos necessidades, não nos cansamos (alguém se lembra quando cassaram 5 e depois outros 5 anos do tempo mínimo para a aposentadoria dos professores? Foi em uma das épocas em que se reformulou a previdência, com a promessa de mudar a aviltante aposentadoria parlamentar). O professor tudo faz e nada pode. Recentemente, o meu curso de graduação da UnB recebeu uma "demanda" para que aumentássemos a oferta do curso em "apenas" 8 vagas semestrais (16 anuais, ou 18% a mais). Afinal, devemos ser como coração de mãe: sempre cabe mais um. É por isso que quando o então governador paulista José Serra mandou a polícia bater nos professores, um dele teve a humanidade de socorrer o agressor ferido. Em mãe não se bate! Mesmo assim ela sempre perdoa.

Novamente "pesquisas" para lá de discutíveis tornam a "explicar" a realidade. Recentemente a revista Veja publicou uma reportagem (ou um libelo?) que mostrava (e quantificava) como somos incompetentes no aproveitamento do tempo.  Lembrei do primeiro emprego de professor que tive, em um supletivo que pagava pior do que a rede estadual de ensino, com janelinhas nas portas (fora de nossa visão) nas quais a diretora vigiava os professores, o conteúdo "passado" e, talvez, o uso do tempo. Detalhe: não podíamos reprovar ninguém, pois, afinal, eles é que pagavam a escola e mantinham os nossos empregos, como fui "informado" ao divulgar minhas médias finais. Fui até advertido de que os alunos reprovados iriam se matricular no supletivo do outro lado da rua, o que forçaria a escola diminuir as turmas e ter que, infelizmente, dispor de alguns de seus profissionais... A reportagem da veja não ficou impune e Eduardo Alentejo fez questão de que os leitores deste blog tivessem acesso a ela, na íntegra:
Sou professora do Estado do Paraná e fiquei indignada com a reportagem da jornalista Roberta de Abreu Lima “Aula Cronometrada”. É com grande pesar que vejo quão distante estão seus argumentos sobre as causas do mau desempenho escolar com as VERDADEIRAS razões que geram este panorama desalentador. Não há necessidade de cronômetros, nem de especialistas para diagnosticar as falhas da educação. Há necessidade de todos os que pensam que: “os professores é que são incapazes de atrair a atenção de alunos repletos de estímulos e inseridos na era digital” entrem numa sala de aula e observem a realidade brasileira.
Que alunos são esses “repletos de estímulos” que muitas vezes não têm o que comer em suas casas quanto mais inseridos na era digital? Em que pais de famílias oriundas da pobreza trabalham tanto que não têm como acompanhar os filhos em suas atividades escolares, e pior em orientá-los para a vida? Isso sem falar nas famílias impregnadas pelas drogas e destruídas pela ignorância e violência, causas essas que infelizmente são trazidas para dentro da maioria das escolas brasileiras.
Está na hora dos professores se rebelarem contra as acusações que lhes são impostas. Problemas da sociedade deverão ser resolvidos pela sociedade e não somente pela escola.
Não gosto de comparar épocas, mas quando penso na minha infância, onde pai e mãe, tios e avós estavam presentes e onde era inadmissível faltar com o respeito aos mais velhos, quanto mais aos professores e não cumprir as obrigações fossem escolares ou simplesmente caseiras, faço comparações com os alunos de hoje “repletos de estímulos”. 
Estímulos do quê? De passar o dia na rua, não fazer as tarefas, ficar em frente ao computador, alguns até altas horas da noite, (quando o têm), brincando no Orkut, ou o que é ainda pior envolvidos nas drogas. Sem disciplina seguem perdidos na vida. Realmente, nada está bom. Porque o que essas crianças e jovens procuram é amor, atenção, orientação e disciplina.
Rememorando, o que tínhamos nós, os mais velhos, há uns anos atrás de estímulos? Simplesmente: responsabilidade, esperança, alegria. Esperança que se estudássemos teríamos uma profissão, seríamos realizados na vida. Hoje os jovens constatam que se venderem drogas vão ganhar mais. Para quê o estudo? Por que numa época com tantos estímulos não vemos olhos brilhantes nos jovens? Quem, dos mais velhos, não lembra a emoção de somente brincar com os amigos, de ir aos piqueniques, subir em árvores?
E, nas aulas, havia respeito, amor pela pátria.. Cantávamos o hino nacional diariamente, tínhamos aulas “chatas” só na lousa e sabíamos ler, escrever e fazer contas com fluência.
Se não soubéssemos não iríamos para a 5ª. Série. Precisávamos passar pelo terrível, mas eficiente, exame de admissão. E tínhamos motivação para isso.
Hoje, professores “incapazes” dão aulas na lousa, levam filmes, trabalham com tecnologia, trazem livros de literatura juvenil para leitura em sala-de-aula (o que às vezes resulta em uma revolução), levam alunos à biblioteca e a outros locais educativos (benza, Deus, só os mais corajosos!) e, algumas escolas públicas onde a renda dos pais comporta, até a passeios interessantes, planejados minuciosamente, como ir ao Beto Carrero.
E, mesmo, assim, a indisciplina está presente, nada está bom. Além disso, esses mesmos professores “incapazes”, elaboram atividades escolares como provas, planejamentos, correções nos fins-de-semana, tudo sem remuneração; Todos os profissionais têm direito a um intervalo que não é cronometrado quando estão cansados. Professores têm 10 minutos de intervalo, quando têm de escolher entre ir ao banheiro ou tomar às pressas o cafezinho. Todos os profissionais têm direito ao vale alimentação, professor tem que se sujeitar a um lanchinho, pago do próprio bolso, mesmo que trabalhe 40 h.semanais. E a saúde? É a única profissão que conheço que embora apresente atestado médico tem que repor as aulas.Plano de saúde? Muito precário.
Há de se pensar, então, que são bem remunerados... Mera ilusão! Por isso, cada vez vemos menos profissionais nessa área, só permanecem os que realmente gostam de ensinar, os que estão aposentando-se e estão perplexos com as mudanças havidas no ensino nos últimos tempos e os que aguardam uma chance de “cair fora”.Todos devem ter vocação para Madre Teresa de Calcutá, porque por mais que se esforcem em ministrar boas aulas, ainda ouvem alunos chamá-los de “vaca”,”puta”, “gordos", “velhos” entre outras coisas. Como isso é motivante e temos ainda que ter forças para motivar. Mas, ainda não é tão grave. Temos notícias, dia-a-dia, até de agressões a professores por alunos. Futuramente, esses mesmos alunos, talvez agridam seus pais e familiares.
Lembro de um artigo lido, na revista Veja, de Cláudio de Moura Castro, que dizia que um país sucumbe quando o grau de incivilidade de seus cidadãos ultrapassa um certo limite.
E acho que esse grau já ultrapassou. Chega de passar alunos que não merecem. Assim, nunca vão saber porque devem estudar e comportar-se na sala de aula; se passam sem estudar mesmo, diante de tantas chances, e com indisciplina... E isso é um crime! Vão passando série após série, e não sabem escrever nem fazer contas simples. Depois a sociedade os exclui, porque não passa a mão na cabeça. Ela é cruel e eles já são adultos.
Por que os alunos do Japão estudam? Por que há cronômetros? Os professores são mais capacitados? Talvez, mas o mais importante é porque há disciplina. E é isso que precisamos e não de cronômetros. Lembrando: o professor estadual só percorre sua íngreme carreira mediante cursos, capacitações que são realizadas, preferencialmente aos sábados. Portanto, a grande maioria dos professores está constantemente estudando e aprimorando-se.
Em vez de cronômetros, precisamos de carteiras escolares, livros, materiais, quadras-esportivas cobertas (um luxo para a grande maioria de nossas escolas), e de lousas, sim, em melhores condições e em maior quantidade. Existem muitos colégios nesse Brasil afora que nem cadeiras possuem para os alunos sentarem. E é essa a nossa realidade! E, precisamos, também, urgentemente de educação para que tudo que for fornecido ao aluno não seja destruído por ele mesmo. Em plena era digital, os professores ainda são obrigados a preencher os tais livros de chamada, à mão: sem erros, nem borrões (ô, coisa arcaica!), e ainda assim se ouve falar em cronômetros. Francamente!!! Passou da hora de todos abrirem os olhos e fazerem algo para evitar uma calamidade no país, futuramente. Os professores não são culpados de uma sociedade incivilizada e de banditismo, e finalmente, se os professores até agora não responderam a todas as acusações de serem despreparados e “incapazes” de prender a atenção do aluno com aulas motivadoras é porque não tiveram TEMPO.
Responder a essa reportagem custou-me metade do meu domingo, e duas turmas sem as provas corrigidas.
Sugestão de atividade:  analise e compare o depoimento do vídeo, a carta da leitora e a situação atual da instituição universitária na qual você estuda e tenta produzir pesquisa. Se sua análise for bem honesta você verá que não tantas diferenças entre a UnB, cujos alunos promovem a "Festa da xoxota louca" (ver aqui e aqui também) e o ensino público médio e fundamental, afinal, eles estão entrelaçados "siamesticamente". Negar esse fato seria acreditar que na universidade somos mais puros e superiores por fazermos "pesquisas".

Post iniciado por Eduardo Alentejo, que me passou o interessante material das duas professoras. 

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