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segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Diálogos sobre ciência: Descartes e Hume (parte I)


Nariz extremamente grande, tipicamente nórdico, olhos intensamente pretos, sobrancelhas grossas e um bigode que lembrava o seu José, o dono da padaria aqui perto da minha casa. O seu companheiro de conversa se apresentava com uma roupa vermelha, não muito apropriada aos padrões da moda, cabelos brancos e encaracolados, os olhos nitidamente claros, reforçados pelo reflexo daquela tarde ensolarada de domingo em Brasília. Foi assim que sentei ao lado da mesa onde Descartes sentia-se de certa maneira embaraçado pelos questionamentos feitos por David Hume, enquanto os dois tomavam uns Chopps e debatiam a natureza das ciências e suas implicações, no Libanus, aqui da 206 sul. Atento ao diálogo, percebi o tom claro em que Descartes exemplificava o seu método racionalista.

- Hume é simples, não complica, cara! Para se obter as verdades segundo o meu método racionalista é preciso pensar que se balance a árvore. A minha dúvida sobre as certezas que antes eu tomava como verdadeiras faz com que eu balance a árvore, e tudo aquilo que vai ao chão é jogado de lado e tido como falso. Em resumo, o que fica na árvore se sustenta como claro e distinto e pode ser tomado como verdadeiro. Thomas Kuhn - por falar nisso onde está ele que não veio? - chamaria de "paradigma" a estrutura das frutas que se sustentam, segundo as crenças de uma comunidade científica específica.


 - Ok, ok. Mas o que sustento é que não existe conhecimento algum que possa ser demonstrativo, toda maneira de conhecimento é sempre provável e empírica. É preciso que eu realmente balance a árvore e não simplesmente pense como seria se eu a balançasse. Além disso, o que te faz ter a certeza de que o próximo Chopp que o garçom me traz esteja gelado? Provavelmente, o fato de ter vindo aqui várias vezes e tomado vários gelados faz com que, por hábito, tenha a segurança de que esse fato sempre ocorrerá. Logo, estando os objetos em circunstâncias já vivenciadas temos naturalmente a crença de que sempre ocorrerá as mesmas consequências, ou seja, o Chopp estará trincando. Mas nada exclui a possibilidade de que ele esteja quente e eu tenha que reclamar e pedir outro. E a isso nomeio "Conexão Necessária". Por isso afirmo que não há ciência, se por ciência entendermos conhecimento certo. Essa espécie de ciência pertence apenas às ciências demonstrativas, isto é, às matemáticas e à geometria. Por sinal, o Chopp está mesmo trincando. O hábito e a crença venceram mais uma vez. Vamos tomar mais um e depois continuamos a nossa conversa.

Fiquei ali de lado, observando o diálogo desses dois seres humanos que pareciam estar fora de contexto, numa outra época que não aquela, em pleno século XXI, assistindo a mais um jogo de futebol do campeonato brasileiro. Pelo jeito o Fluminense ia ser mesmo o campeão. O meu próximo passo não poderia ser outro, a conexão necessária, definida por Hume, mais uma vez se apresentava: "Garçom, uma cerveja e um copo, por favor!".

5 comentários:

  1. Descartes balançou a árvore e ( cientista: TREMEI!) DEUS nunca caiu dela. Sem a certeza de um DEUS perfeito, magnânimo e bondoso a lógica cartesiana não teria lógica. Hume, que não quis dizer, tava inspirado no que Descartes chamava de "Realidade Objetiva" e "Realidade Formal" quando estabeleceu sua "Conexão Necessária". Dois pensadores que usaram o ceticismo como base de suas filosofias... acho que uma hora eu acabo balançando a árvore da Arquivologia...

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  2. hahahahaha... balance Fernando, balance a árvore. Eu, particularmente, vejo muitas diferenças nas posturas céticas dos dois, talvez no próximo diálogo algo possa vir nesse caminho. E a "conexão necessária" de Hume estava mais ligada à inferência de fatos. Mas essa conversa merece mais um Chopp. A gente senta e conversa. Abraços

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  3. ESSE POVO É MUITO É CACHACEIRO!

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  4. Deixa ver se eu entendi. Ampliando a metáfora de boteco e paisagismo para a Arquivologia, Descartes diria que tudo aquilo que cair no chão após balançar a árvore do CONARQ deve ser classificado como diversos, logo a resolução 14 é falsa. Hume acharia que não dá para ir pegando um plano de classificação que alguma vez funcionou bem e assumir que será eterno e aplicável a outras situações, posto que isso significaria assumir que não apenas a cerveja sempre estará trincando em seu boteco habitual, mas que ela sempre estará na temperatura ideal, qualquer que seja o bar.

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  5. André, o problema é quando a árvore se move e fica fugindo. Ou quando a gente ainda tem uma preguiça de correr atrás dela e balançá-la. Isso sim é complicado. Na verdade, tudo isso ai já teria caído depois da primeira sacudida de Descartes. Fica ainda mais difícil quando algumas questões são cristalizadas e tratadas como dogmas. Isso, de fato, vc, como professor de metodologia, sabe que não é ciência.

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