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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Tropeços na redação científica 5

Segundo o Novíssimo Dicionário Universal de Tropeços na Redação Científica:
  • citalogismo é o termo que designa, ao mesmo tempo, a) a crença de que é possível produzir um bom texto científico apenas colecionando e organizando afirmações já feitas por outros autores e b) as práticas derivadas desta crença, que consistem basicamente na elaboração de textos a partir do uso exclusivo da citalogia;
  • citalogia é a técnica de produção de textos pretensamente científicos, sem a contribuição de qualquer reflexão original produzida por seu autor ou autores.
Em outras palavras, um texto citalogístico é aquele que contém apenas um conjunto mais ou menos organizado de citações de outros autores e que normalmente apresenta, na parte das conclusões, já que é indispensável que ela exista, nada mais que um punhado de reafirmações (por vezes, mas nem sempre, disfarçadas) do conteúdo já apresentado.

O conhecimento científico é formado por um imenso conjunto de afirmações, consideradas como válidas ou corretas, de acordo com os critérios adotados em cada área, sobre cada tema ou fenômeno estudado por ela. O avanço desse conhecimento ocorre quando uma ou algumas daquelas afirmações são aperfeiçoadas, detalhadas ou mesmo substituídas por outras, aceitas como mais adequadas.

Tal como ocorre em todas as outras formas de conhecimentos humanos, os avanços das ciências nunca partem do nada, do zero, para a produção de algo absolutamente novo e original; eles são sempre um aprimoramento ou, às vezes, uma contraposição a algo que já se sabia ou que era aceito como válido.

Por isto é comum e adequado que os autores de textos científicos tomem como pontos de partida para suas reflexões ou investigações, afirmações já elaboradas por outros autores. O problema do citalogismo ocorre quando cientistas e seus discípulos começam a acreditar que textos científicos podem ser apenas coleções de afirmações já lançadas por outros autores e que permanecem tidas como válidas.

Talvez a origem desta prática tenha sido a crença de que os alunos das primeiras séries da graduação, quando participam das suas disciplinas básicas de iniciação, precisam familiarizar-se com as exigências da redação científica mas não possuem, ainda, os conhecimentos suficientes nem as condições intelectuais necessárias para a produção de reflexões próprias e originais. Neste caso, seria aceitável que fosse exigido deles apenas a elaboração de textos compostos por reflexões já elaboradas por outros autores. A citalogia seria justificada, neste caso, como um momento de aprendizagem.

Se esta crença existe, precisamos extirpá-la o quanto antes. Primeiro, por que não devemos nem precisamos menosprezar a capacidade dos alunos iniciantes; eles sabem pensar e devem ser incentivados, em todas as oportunidades, a fazê-lo. Também não podemos ignorar o efeito potencialmente nocivo daquela aceitação: quando solicitamos ao aluno que elabore o que chamamos de um texto científico e aceitamos que ele apresente o que é apenas uma colagem de afirmações alheias, estamos contribuindo para que ele acredite que a citalogia é uma técnica aceitável ou, pior ainda, que o citalogismo é a opção correta para a produção científica.

Como crença, o citalogismo é absurdo, já que equivale a supor a possibilidade da existência de um pensador que não precisa pensar. Como prática, tampouco merece continuar a ser adotado, porque seus resultados normalmente são muito parecidos com o monstro criado, na literatura, pelo Dr. Frankenstein; afinal, a pretensão de gerar uma nova criatura apenas unindo fragmentos de outras só poderia resultar em algo desagradável de ser visto e de pouca ou nenhuma utilidade.

Um comentário:

  1. <3 Amei o texto. Sou iniciante da pesquisa e estou começando a fazer minhas próprias perguntas, isso tudo é um máximo, obter conhecimento.

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