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sexta-feira, 16 de maio de 2014

Estândares para publicação de textos acadêmicos


Tomanik, um dos mais ilustres colaboradores deste blog, comentou uma vez ("O Olhar no Espelho", cap 2) que, muitas vezes se confunde erroneamente metodologia com um conjunto de regras de apresentação. Infelizmente, essa parece ser a regra vigente no Brasil, na absoluta maioria das monografias universitárias, cuja análise pela banca costuma se deter apenas nos elementos formais. Os elementos formais, sem dúvida, são importantes (como já indicamos em alguns posts anteriores), mas somente se o conteúdo for bom. Seguir bem as normas da ABNT não dá nenhuma garantia da qualidade do trabalho.

O que muita gente sequer suspeita é que a ABNT tampouco é um padrão universal, mesmo sendo utilizada pelas boas revistas científicas brasileiras; boas, de acordo com os nossos critérios nacionais, diga-se de passagem. No mundo acadêmico internacional, a ABNT não existe como padrão de qualidade; ou seja, as revistas científicas tidas como internacionalmente boas, pelo resto do mundo, não usam a ABNT. Isso é algo que pode representar um dilema para alguns editores brasileiros, pois, se quiserem elaborar um material nacionalmente aceito devem, quase como que uma obrigação religiosa, usar a ABNT. Por outro lado, se buscarem aceitação com pares internacionais, em relação de igualdade acadêmica, esse padrão não serve. Um dos estândares mais utilizados no mundo científico é a APA, sigla que se refere à Associação Americana de Psicologia, cujas regras de apresentação formal de textos estão presentes por toda parte; exceto no Brasil.

A ABNT é uma norma paga, restrita a quem compra o direito de acessá-la. O jeitinho brasileiro sempre providenciou cópias pirata dela, desde o tempos das fotocópias borradas, porém todas essas cópias, de saída, já nasceram fora das regras dos direitos de reprodução. Com base nessa restrição, proliferam no Brasil textos que ensinam a usar a norma, muitas vezes com a indevida roupagem de manual de metodologia, reforçando a impressão equivocada aludida por Tomanik.

 A APA, pelo contrário, é vendida somente para quem quer adquirir o manual completo. O próprio site disponibiliza tutoriais bastante completos e cheio de exemplos, tornando o "estilo" (o nome correto é APA Style, sem a carga impositiva do termo "norma") bastante acessível e, mais importante ainda, com contorle sobre o material de formação de novos usuários. Não há nenhum impedimento para que outros autores produzam seu próprios manuais, os quais terão, sem dúvida, uma ressonância muito limitada já que o existe material on-line "oficial" gratuito. É provável também que quem efetivamente queira comprar um manual opte por adquirir o produto "oficial". Supõe-se que com o estreitamento de um mercado editorial dedicado ao uso do estândar, os autores estadunidenses não produzam tantos textos disfarçados de metodológicos sem o serem de fato. 

No Brasil, a encruzilhada torna-se mais complicada no momento atual, no qual muitas revistas, de olho na expansão para/com a América Latina, não apenas estão aceitando textos em castelhano, como, em alguns casos, tentando publicar volumes inteiros no idioma de Cervantes. A questão é como "obrigar" que o autor hispano-americano use a ABNT. Nos outros países latino-americanos, cada vez mais a APA vem sendo adotada como o padrão de publicação local, mesmo com o risco de se tornar dependente de definições externas. Alguns críticos poderão argumentar, com alguma razão, que a adoção de um estândar estrangeiro (a APA representa uma associação profissional de um país, não sendo um estândar internacional) poderia nos colocar em uma situação análoga a alguns países, que por não terem uma economia sólida, se renderam a adoção do dólar como moeda local, ampliando os problemas de dependência econômica dos EUA.

Não se trata de defender este ou aquele estândar, porém de ter conhecimento da existência de outros -- e a APA é apenas mais um entre vários outros -- e saber que as normas nacionais são absolutamente limitadas ao território (conforme indica o adjetivo "brasileiro", da sigla ABNT). Na ausência de um estândar a ser criado, pela ainda inexistente associação latino-americana dedicada ao tema, essa opção permite uma melhor circulação científica, em nível mundial, daquilo que produzimos deste lado do atlântico e permite que a produção bibliográfica de nossos países possa estar mais integrada. A questão não é de dominação, porém de integração e circulação do conhecimento científico.

Para quem quiser melhor conhecer o recurso, a página da APA Style (aqui) é uma boa opção; lá é possível aceder a um tutorial gratuito (aqui) ou a um blog dedicado ao tema (aqui). Quem tiver dificuldades com o inglês pode se valer das boas opções existentes em castelhano. A comunidade RedDOLAC, dedicada à integração de experiencias e tecnologias didáticas, sediada no Peru, divulgou recentemente (ver aqui) apostila feita no Equador sobre como aplicar a APA em publicações acadêmicas (baixar do blog "Yo Profesor" aqui). As editoras científicas colombianas certificadas pelo governo de lá utilizam a APA. Um extrato de um curso feito na Colombia sobre a APA, publicado no México, está disponível em um site da Universidad Nacional Experimental del Táchira, Venezuela (aqui). Insistir em um modelo "normativo" nacional pode parecer teimosia, ou, até mesmo, piada:

Copiado de "Boa Dica"





7 comentários:

  1. Sugestão ao autor. Esse anglicismo "estândares", que leio neste texto pela primeira vez, além de desajeitado é desnecessário, pois pode perfeitamente ser usada a palavra padrão, como aliás ocorre no próprio texto. Além de mais elegante, é correto pois o estrangeirismo se justificaria apenas na ausência de expressão equivalente em português.

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    1. Prezado Luiz Henrique, um dos aspectos que marcam esse blog (ou seria blogue?) desde seu início é tentar estar mais conectado às novas TIC. Confesso que a palavra também me causou um certo estranhamento quando a vi pela primeira vez, porém a opção de usá-la diretamente no título do post (ou seria postagem?) até levou em conta as questões que você aponta. No entanto, acabou prevalecendo o que, no meu entender, dava mais precisão e clareza, mesmo que com estética estilística discutível.

      Pessoalmente tenho dúvidas quanto o que seria uma boa definição do que é (e do que não é) estrangeirismo. Por exemplo, "no meu notebook, antes de inserir qualquer pendrive eu sempre clico com o mouse para acionar o software que realiza o scan de detecção vírus"; eu jamais conseguiria dizer que "no meu computador portátil, antes de inserir um dispositivo compacto de armazenamento de dados na porta USB, eu pressiono o botão do rato (os portugueses falam assim) para acionar o programa que realiza a varredura para a identificação de programas maliciosos que podem danificar meu sistema"...

      Acho que, anglicismos a parte, o ponto central é passarmos a ser mais flexíveis e começar a ter uma atitude capaz de contemplar outros modos de formalizar a ciência, estando abertos para outros padrões, estândares, estilos etc.

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  2. Gostei do blog! Tomei conhecimento por esse post. Faço especialização em Gestão Estratégica da Informação e minha sala também mantém um blog para compartilhar o aprendizado (http://ufmggei2013.wordpress.com/2014/05/19/blog-metodologia-em-ciencia-da-informacao/).
    Obrigada!

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    1. Luciana,

      acabei de visitar o blog de vocês. Gostei e, reciprocamente, coloquei o link na lista de indicações do MCI, na barra lateral. Agradeço a divulgação positiva e fico à disposição para eventuais ações virtuais conjuntas.

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  3. André
    Antes de mais nada, obrigado pelo elogio. Não consigo ver-me como ilustre, mas um elogio é sempre bom.
    Concordo duplamente com você.
    1. O fato de uma norma ter sido elaborada no Brasil não a torna melhor nem mais recomendável. Em comparação com as sugestões da APA, as normas da ABNT não são uma coisa, nem outra. Além disso, mudam com muita frequência e em detalhes que não as melhoram. Por isto, algumas revistas brasileiras preferem adotar as recomendações da APA.
    2. Esta opção não torna os textos publicados melhores ou piores; só complica menos os processos de normalização.

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  4. Tomanik, ilustríssimo e dileto amigo. não seja tão modesto e aceite o merecido elogio.

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  5. "Isso é algo que pode representar um dilema para alguns editores brasileiros, pois, se quiserem elaborar um material nacionalmente aceito devem, quase como que uma obrigação religiosa, usar a ABNT."

    Um editor de periódico ou publicação seguir normas da ABNT não tem nada a ver com sua aceitação e credibilidade no mundo acadêmico ou profissional.

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