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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A UnB é mesmo assim, ou as pessoas é que exageram?

foto com "legenda" adicionada, copiada de Ciência Brasil (ver post aqui)

Recentemente a UnB voltou aos noticiários,  não na seção de ciência e tecnologia e quase foi parar nas páginas policiais. Uma série de reportagens da grande imprensa sobre alguns gravíssimos problemas de comportamento estudantil e da postura da administração tem estado em evidência nos meios de comunicação de massa, o que tem gerado diversas manisfestações viruais (entre outras). O blog Ciência Brasil tem sistematicamente divulgado muitos desses problemas, inclusive antes deles chegarem às grandes redes (basta fazer uma busca por "corredor da morte" ali, ou clicar aqui). A própria instituição tem se utilizado de sua página oficial para tratar da questão (veja aqui o resultado da mesma busca, "corredor da morte" no portal da UnB). Os mais ácidos podem até dizer que as notícias no portal da própria instituição lembram a clássica piada dos operários suicidas (ver aqui), mas isso não está no escopo desta postagem. O fato é que a situação está tomando vulto com muitas fontes de divulgação: as deliberadamente contrárias à atual gestão da UnB; as da própria gestão e aquelas que nunca são neutras, mas que nunca dizem ao certo de que lado estão: a grande imprensa. 

foto copiada do Correio Braziliense (ver notícia aqui)


No meio de tal polêmica alguns alunos, que não são comprometidos com o jogo político interno da UnB também têm se manifestado, como pode ser visto em post no blog de Diplomática e Tipologia aqui.  A um dos comentários, com muita propriedade, não tenta tapar o Sol com a peneira, assume que o problema existe, mas pergunta qual é o interesse que move, constantemente, as grandes redes na divulgação (com um certo exagero) dos problemas da UnB. A comentarista diz que " (...)ainda é visível a superioridade da maioria dos cursos da UnB em comparação com os de instituições privadas do DF, o que indica o comprometimento dos alunos da instituição, não dá para avaliar e tachar a UnB apenas com o que a mídia se dispõe a mostrar" (Cf. comment de Fernanda Cândido aqui). Em parte ela tem razão e em parte não. Essa contradição é bem apontada por Adrielly Torres, a aluna autora da postagem em tela.

Desde que cheguei em Brasília tenho me surpreendido com a altíssima fama da UnB, que não é devidamente contrastada com um (salutar) exercício de auto-crítica. Há até quem diga (com alguma razão) que o Marcelo Hermes exagera nesse aspecto, porém suas críticas são, geralmente, muito pertinentes (ver exemplo aqui). Talvez ele exagere devido ao surpreendente silêncio dos bons :)  A Fernanda está certa quando compara a UnB com as privadas da região, ou mesmo com muitas outras públicas, de menor tradição espalhadas pelo Brasil. Pois é, dizem que em terra de cego, quem tem um olho só é rei. Mas, e se começarmos a comparar a UnB com outras IFES, como UFRJ, UFSC, UFRGS, UFMG etc.? A situação não é tão tranquila assim. A coisa é mais grave devido à história e à suposta vocação da UnB em ser A UNIVERSIDADE DO BRASIL. Isso sempre me impressionou por aqui: a incapacidade de tentar inserir a UnB em um panorama maior, que incorpore a discussão do paradigma do que é ser uma universidade de excelência e não o que é ser uma universidade melhor que as privadas locais. Falando nisso, alguém que conhece a BCE, da UnB já entrou na biblioteca do CEUB? É privada, tem problemas sérios para ser uma universidade de pesquisa, mas tem alguns pontos melhores resolvidos do que a UnB; detalhe irônico: a bibliotecária de lá foi formada na UnB.

O fundo da questão é exatamente esse: não queremos (eu e aqueles que defendem o que seja uma universidade de pesquisa séria - ver exemplo aqui) que a UnB seja uma instituição apenas formadora de mão de obra para o mercado (aqui, leia-se, concursos). Queremos que ela produza conhecimento e pessoas produtoras de conhecimento de ponta. Isso no Brasil, ainda é privilégio das universidades públicas, porque, via de regra (com honrosas exceções) as privadas ainda não conseguiram equacionar lucro com pesquisa e desenvolvimento.

Ficar só na comparação com as outras federais é desconfortável, porém pode-se ainda tentar pensar em algumas equivalências e em algumas similaridades. Mas, e se formos comparar a UnB com algumas estaduais importantes, que não precisam ser as paulistas? A distância começa a aumentar. Se começarmos a pensar sobre o que diferencia uma UnB de uma USP, é claro que haverá muitos fatores de ordem externa à administração da universidade, mas também haverá muitos fatores internos. Por exemplo: quem não é de São Paulo sabe que a USP tem, há mais de 20 anos uma rede integrada de biblioteca que congrega as mais de 40 bibliotecas de grande e médio porte? Será que as pessoas da UnB sabem que no campus da USP existe um ônibus interno, GRATIS, para que os alunos possam de locomover? São apenas exemplos que nos separam do resto do mundo. 

Comparar a UnB com as grandes universidades do mundo é praticamente impossível, mas e em um universo ibero-americano? Se tirarmos Espanha e Portugal a coisa fica mais ou menos assim:

  • 1 USP - São Paulo
  • 2 UNAM (México)
  • 3 UNICAMP - São Paulo
  • 4 UNESP - São Paulo
  • 5 UFRJ
  • 6 UBA - Argentina
  • 7 UFRGS
  • 8 UFMG
  • 9 U Chile
  • 10 UFSP
A UnB fica em 20º. Tudo bem aqui no DF, pois as outras duas melhores classificadas daqui são a Católica em 111º e o CEUB em 362º. Por isso que eu concordo e discordo da Fernanda. Rivalizar com USP,UNAM e UNICAMP é difícil, mas a UnB tinha a OBRIGAÇÃO de ser a melhor federal e teria condições de estar em um nível similar ao da UNESP. Isso não ocorre, principalmente, por motivos internos já que somos, provavelmente a mais rica das federais.

E se, além de deixarmos de brincar com os cegos, formos abrir um pouco mais os olhos. No mesmo ranking, incluindo Portugal e Espanha a situação fica assim:

  • 1 USP - São Paulo
  • 2 UNAM (México)
  • 3 UNICAMP - São Paulo
  • 4 U Barcelona - Espanha
  • 5 UCM - Espanha
  • 6 UNESP - São Paulo
  • 7 UFRJ
A UnB cai para 48, a UCB para 177 e o CEUB para 470. Olha como a Fernanda está correta: em uma perspectiva internacional, de longe a UnB é bem melhor (e bota melhor nisso) que as privadas daqui. Mas porque será que a URFJ praticamente não balança quando mudamos a comparação e a UnB desaba? Talvez seja porque sempre nos achamos o máximo quando nos comparamos com o nosso próprio umbigo.

Os dados de ranking indicados são do SCImago, de maio de 2010 (ver post e acesso ao ranking aqui). Prefiro esse ranking por ser elaborado mais de acordo com as especificidades de nosso perfil ibérico de universidade. Existe um outro ranking, mundial, que é tido como padrão: o Webometrics. Por ele as melhores iberoamericanas ficam assim, de acordo com a posição mundial:

  1. 71 UNAM México
  2. 122 USP - São Paulo
  3. 147 UCM - Espanha
  4. 184 UPM - Espanha
  5. 199 U Chile
  6. 202 UPV - Espanha
  7. 205 U VAlencia - Espanha
A UNICAMP está em 13º entre as iberoamericanas nesse ranking e em 239º no mundo. A melhor federal é a UFSC em 377º, seguida de perto pela UFRJ, que está em 386º. A UnB aparece na 681ª posição e as privadas daqui sequer configuram nessa lista, dando razão para todos aqueles que acham que a UnB é o máximo (ou nem tão ruim assim).

Como dizem por aí: o primeiro passo para resolver um problema é assumir que ele existe. Rankings são rankings e, portanto, sujeitos a várias distorções, mas, de qualquer modo, indicam uma tendência que não observamos porque insistimos em brincar de ser caolhos e continuar a reinar na terra dos cegos.

5 comentários:

  1. Na física, caso perguntem se um objeto está parado ou em movimento, qualquer aluno questionaria sobre o referencial. Concordo que rankings podem ser tendenciosos, mas importante é ter uma abordagem crítica dos dados apontados.

    Ter uma visão míope que apenas faça massagem no ego não produz benefícios práticos, apenas serve como tentativa de alta afirmação.

    As universidades são compostas por pessoas (funcionários, pesquisadores e alunos) estas refletem a realidade da sociedade, elitistas, cegos, individualistas eu simplesmente conformadas. Não há um perfil empreendedor ou mesmo desenvolvimentista. Receber uma sala pintada ou um prédio novo é necessário e importante para o conforto no processo de aprendizagem, mas não é um investimento sólido na universidade pública. É como ter fome e receber uma barrinha de cereal, dá apenas satisfação pela impressão de saciedade. Fontes de fomento a pesquisa, ao desenvolvimento de novas tecnologias e conhecimentos, investimentos no capital intelectual e humano são sim os nutrientes necessários a vida da universidade.

    Ser voltado para pesquisa ou para o mercado? Isso é diferente? Pesquisadores são críticos por excelência e neste contexto são os mais adequados ao mercado de trabalho com alto nível de competitividade.

    A UnB assim como outras instituições de ensino sofre de apatia anêmica. É incompetente ao expor seu verdadeiro potencial benéfico para a sociedade.

    Logo, estamos com muitos referenciais, o que precisamos fazer agora são os questionamentos corretos.

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  2. O que é correto e o que não é correto? Isso também pode depender dos referenciais e, é claro, da famosa "subjetividade". O fato é que, concordando com meu xará, já temos muito referenciais; mas temos também muitos questionamentos (corretos e/ou errôneos), mas o que falta, na maioria da vezes, são as ações.

    O Correio Brazilense de ontem mostrou como a balança comercial atual, reflexo da prosperidade econômica do país, continua em conformidade com o eterno papel histórico da América Latina: exportar insumos e importar bens manufaturados. Para isso, o plano (nacional? mundial?) é produzir mão de obra técnica de qualidade e não inovação tecnológica. Nesse compasso alinham-se as universidades, formadoras de mão de obra para o mercado ao invés de produzir conhecimento de ponta. As únicas inovações efetivas capitaneadas pelo governo são aquelas relacionadas à melhoria do setor primário (agricultura, pecuária, mineração e petróleo). Não é por acaso que uma das mais honrosas exceções de produção de conhecimento científico externo à universidade seja a EMBRAPA.

    Enquanto se planeja a formação dos técnicos da camada do pré-sal, bolsas de mestrado e doutorado CAPES e CNPq de dezembro, por falhas técnicas, deixaram de ser pagas, onerando (e desestimulando) centenas de jovens pesquisadores. Enquanto as bolsas de mestrado e doutorado recebidas na UnB são 100% superiores em relação às privadas do DF, elas são, ao mesmo tempo, na fase final, respectivamente, 20% e 40% menores que as pagas pela FAPESP, em São Paulo. Isso sem contar que as bolsas da FAPESP ainda contemplam auxílio instalação e reserva técnica (que pode ser usada para finalização do projeto, melhoria de infraestrutura etc.). Talvez esse aspecto explique parte das mais de 550 posições que separam a UnB da USP no ranking de universidades mundiais.

    Muitas pessoas têm, sistematicamente questionado, a política universitária do Brasil; o que tem faltado são as práticas, muitas das quais podem ser replicadas das boas práticas que são feitas pelas universidades paulistas. O problema é a opção por reproduzir apenas a parte podre: trotes violentos e vexatórios, centros acadêmicos focados em atividades não universitárias e/ou ilícitas etc. e deixar de lado o que realmente importa.

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  3. Essa coisa de copiar o que é ruim e não seguir os bons exemplos até parece coisa daquele piadinha boba:
    "Diz que o pai queria fazer o filho pequeno falar “papai”, mas o moleque não falava
    nada. De tanto insistir, um dia o pai perdeu a paciência e gritou com ele:
    - Fala papai, porra!
    E o moleque:
    - Pôla!"

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  4. A questão principal está no que deve mover a universidade: se o aparelhismo político das boas relações institucionais ou o mérito resultante dos bons resultados? Sobre isso ver o ótimo post sobre a meritocracia em Selva Brasilis clicando aqui.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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