copiado de Galeria de Raoultrifan |
Thiago Moraes (mestrando do PPGCINF-UnB)
Nas discussões em sala de aula sobre “o que é Ciência” e o “como fazer Ciência” nos deparamos com questionamentos sobre a natureza do conhecimento científico. Esta, muitas vezes é erroneamente apresentada como existente em um senso comum, onde um conjunto de regras pré-estabelecidas seriam suficientes para nortear todo o processo científico. Há, porém, uma série de fatores que influenciam esse processo e vêm por alterar a sua fundamentação. Com o objetivo de elucidar algumas dessas reflexões, exponho algumas opiniões extraídas dos textos de Tomanik (2004) e Furlan (2003). Este último autor, elaborou um artigo em que apresentou teorias que polarizaram as discussões da filosofia da ciência nas últimas décadas e serão comentadas a seguir.
Por muito tempo, o conhecimento científico esteve suportado pelo Conceito de Indução, em que a Ciência poderia ser certa e segura, se interferências que distorcem seu verdadeiro sentido fossem eliminadas. Francis Bacon (1561-1626), autor conhecido como fundador do empirismo defendeu essa idéia nas obras que compôs em sua vida. Ao afirmar que o método científico era um método baseado em observação, que deveria ser rigorosa e isenta de preconceitos, Bacon acreditava que existiam regras precisas para a construção da ciência da natureza.
A primeira crítica ao empirismo veio com David Hume (1711-1766) que atacou o princípio de causalidade, que é o raciocínio experimental pelo qual do presente se conclui o futuro (Ex: a água colocada no fogo vai ferver, a barra de metal aquecida vai se dilatar, amanhã fará dia etc.). Hume afirma que muitas vezes afirmarmos mais do que vemos, e assim deixamos de conduzir uma experiência imediata para fundamentar os fenômenos observados. Esse posicionamento de Hume não nega o empirismo. Ele apenas expõe uma visão de ceticismo: explicar psicologicamente a crença de um fenômeno no princípio de causalidade é recusar todo valor a esse princípio. Do particular (ocorrências datadas e situadas) não se pode inferir com necessidade o universal, que é o que interessa à ciência na elaboração das leis da experiência.
Na época Contemporânea, Popper (1959, 1999) veio com uma crítica ao princípio da indução, afirmando que esta é um mito, não apenas do ponto de vista lógico, mas da prática científica. Popper diz que não se espera a repetição ou a sucessão de eventos para, então, indutivamente, chegar a conclusões sobre os problemas. Salta-se para hipóteses arriscadas que são testadas depois passo a passo. Dessa forma, o método indutivo estaria na origem das teorias científicas, ignorando a importância da presença de hipóteses e teorias para a organização da experimentação.
Popper defende a metodologia falsificadora da ciência, passando a exigir que toda teoria com pretensãode cientificidade possibilite a dedução de proposições que, se ocorrerem, a falsifique, ou, que proíbao aparecimento de certos fatos, sendo tanto melhor quanto mais proíbe, ou maior seu conteúdo empírico. Dessa forma, enxerga que a ciência consiste de conjecturas ou enunciados universais na solução dos problemas, e a partir deles faz-se a dedução da ocorrência de fatos que, caso não ocorram, contradizem o enunciado geral, falsificando a teoria proposta.
A falsificação de uma teoria, porém, não invalida esta de imediata. Para Popper existe a possibilidade de criação de hipóteses auxiliares, na tentativa de se salvar uma teoria, mas as alterações devem levar à previsão de fatos novos (falseáveis) e não ao enfraquecimento da estrutura lógica da teoria.
Outro autor que critica o princípio da indução, mas de forma mais branda é Hempel (1981) que chama a atenção para o fato de que, sem a criação de hipóteses, o método indutivo não pode ser operante, isto é, que ele depende de hipóteses que discriminam elementos relevantes para o problema, para então verificá-las indutivamente.
Popper salienta dois aspectos no desenvolvimento da ciência: a) conjecturas teóricas arriscadas b) refinação de teorias estabelecidas. Chalmers (1993), defensor da visão criticista de Popper, afirma que não se aprende, ou se aprende muito pouco, com conjecturas cautelosas, porque estas mais confirmam o conhecimento atual do que possibilitam avanços significativos nas teorias; elas são sempre conservadoras. Conjecturas arriscadas, ao contrário, rompem com a maneira comum de pensar, e por isso, quando confirmadas, representam avanços significativos.
Outro autor considerado marco na filosofia/história da ciência foi Thomas Khun (1992). Em sua obra, a Estrutura das Revoluções Científicas, apresenta um relato histórico do desenvolvimento da ciência. Sua obra é considerada uma crítica à visão popperiana, não no sentido de atacar diretamente as visões deste autor, mas porque Kuhn incentiva uma visão acrítica do cientista. Este autor popularizou o termo “paradigma” que representa o pressuposto comum de uma comunidade científica, que envolve determinada concepção de mundo e um conjunto de regras de procedimentos de pesquisa. Em síntese, o paradigma é a base comum de acordo da comunidade científica, a partir da qual se desenvolvem suas pesquisas e a discussão de suas questões, e é o que Kuhn chama de teoria, no sentido amplo do termo, para enfatizar que a ciência normal não a toma como foco, isto é, não está interessada em discuti-la, mas em resolver quebra-cabeças que são questões presentes no desenvolvimento da aplicação do paradigma à realidade.
Kuhn defende que o cotidiano da prática científica está voltado para atividades “corriqueiras” de solução de quebra-cabeças no interior do paradigma. Assim, discorda da visão de Popper, que privilegia os momentos de ruptura da ciência. Para Kuhn, é comum a presença de anomalias na comparação de uma teoria científica com a realidade, interpretadas ora como um problema de quebra-cabeças, isto é, solucionáveis no interior do próprio paradigma, ora simplesmente ignoradas. Portanto, não existem experimentos cruciais no desenvolvimento da ciência.
Lakatos (1979) defende este posicionamento de Kuhn e propõe, em substituição ao critério popperiano de falseabilidade, a idéia de programas de investigação como metodologia das teorias científicas, que consiste em um núcleo teórico que deve orientar as pesquisas futuras para o seu desenvolvimento. Esse direcionamento é indicativo e proibitivo ao mesmo tempo, pois dirige as pesquisas no sentido de aplicação da teoria à realidade, conduzindo, se o programa tem êxito, à descoberta de fatos novos e ao desenvolvimento de teorias auxiliares. Porém, ela proíbe o questionamento do núcleo básico da teoria, por este representar a tenacidade do programa, sua persistência, a despeito das anomalias ou incongruências com a experiência. Em outras palavras, a teoria não é falsificável no núcleo básico, está protegida por um cinturão de hipóteses auxiliares, "que tem de suportar o impacto dos testes e ir se ajustando e reajustando,ou mesmo ser completamente substituído, para defender o núcleo assim fortalecido" (Lakatos&Musgrae, 1979)
Mas a visão de Lakatos não é diametralmente oposta à de Popper, e ele defende algumas opiniões deste autor. Assim, também acredita na idéia de um progresso determinado por avaliações racionais na solução de seus problemas e na substituição de teorias. A distinção entre programas progressivos e degenerativos é um indicador de avaliação.
Ao contrário do que se possa pensar, essas distinções de pensamento não derrubam a validade das metodologias científicas. Em seu artigo, Furlan enfatiza que há pontos comuns entre Popper e Lakatos e Kuhn. “Um dos principais é o de que enunciados de percepção dependem de teoria.” (Furlan 2003). Apesar desta visão ser enfatizada mais por Kuhn, Popper também acredita nisso ao dizer que não há experiência pura, uma vez que toda ela é organizada por questões, expectativas e teorias; o autor reconhece, inclusive, o importante papel dos mitos na organização da experiência de mundo, quando nãoera possível partir de teorias mais elaboradas sobre a realidade.
Chalmer (1993) comenta que, para Popper e Lakatos, "a história do desenvolvimento interno de uma ciência será 'a história da ciência descorporificada'". Por ciência descorporificada, se entende o conhecimento objetivo, que transcende o sujeito que o possui.
É criticada assim, a possibilidade de uma linguagem neutra na observação, o mito de que a experiência dos sentidos é fixa e neutra. Essa opinião também é defendida por Hume.
Esta revolução do conhecimento científico é importante para percebermos que a visão empiricista da ciência não é mais suficiente para se fazer ciência: novas filosofias devem ser aceitas, principalmente no que concerne as ciências sociais.
Em um próximo texto, discutirei a não-neutralidade da ciência, no sentido que as formações socioculturais do pesquisador são capazes de influenciar a elaboração do conhecimento científico.
Referências:
TOMANIK, E. A. O que é a ciência? A ciência no discurso dos cientistas. In: ____. O olhar no espelho: conversas sobre a pesquisa em ciências sociais. 2. ed. rev. Maringá: Eduem, 2004. p. 55-114.
FURLAN, R.Uma revisão/discussão sobre a filosofia da ciência. FFLCRP – Universidade de São Paulo, 2003.
MUNDO DOS FILÓSOFOS. Francis Bacon. Disponível em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/bacon.htm> Acesso em: Junho de 2011
MUNDO DOS FILÓSOFOS. David Hume. Disponível em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/hume.htm> Acesso em: Junho de 2011