Ambiente virtual de debate metodológico em Ciência da Informação, pesquisa científica e produção social de conhecimento

sábado, 28 de janeiro de 2012

A volta da caça às bruxas ameaça o desenvolvimento científico

Copiado de "Megaupload"
Em 1940 os Estados Unidos iniciaram uma "cruzada" anti-comunista, encabeçada pelo senador McCarthy, que transformou-se em uma verdadeira caça às bruxas, com episódios lamentáveis de delação, perseguição e danos irreparáveis à produção artística, intelectual e científica. Hoje unanimidades mundiais, Chaplin e Orson Welles foram colocado em listas negras. Não se trata de defender este ou aquele projeto político, porém de analisar criticamente como a legitimação de procedimentos de exceção generalizados e aplicados indiscriminadamente acaba por ser muito mais danoso do que os efeitos do que se tentava combater.

Marx, no 18 Brumário, já alertava que a história acontece como tragédia e depois se repete como farsa. Hoje um conjunto de instrumentos legais, cujo acrônimo é SOPA, recentemente aprovados permitem que o governo estadunidense feche os sites que desejar com base em denuncias hospedagem de material "pirateado". Notem bem a semelhança assustadora que continua haver em episódios distantes no tempo mais de 70 anos: a denúncia é suficiente para desencadear ações punitivas. Em mais de 70 anos, não! Em mais de 300 anos se formos considerar que na época da inquisição algum "denunciado" dificilmente escapava da punição, não importando quais fossem os fatos. 

Copiado de "Log (WTF?)"
O fechamento recente do site do Megaupload é, infelizmente, o prenúncio de ações mais drásticas e danosas que irão comprometer seriamente a liberdade de expressão e o desenvolvimento de pesquisas ao redor do mundo. A questão principal é a responsabilização do site por ações consideradas ilegais por qualquer um dos seus participantes. Por exemplo, por conta do fechamento do Megaupload, trabalhos finais de curso de meus alunos de graduação não mais estão disponíveis ao público. Não apenas a liberdade de expressão foi vilipendiada, mas a ampla circulação de ideias foi totalmente comprometida. A lógica da SOPA é mais ou menos a seguinte: se o seu vizinho é suspeito de ser criminoso, você e todos os demais moradores do seu prédio ficarão em prisão domiciliar por tempo indeterminado, sem comunicação com o resto do mundo. A grande questão é que apesar da SOPA ter vigência somente nos EUA é lá que estão hospedados a maioria do arquivos.

A simplicidade do cartunista argentino Quino com sua personagem Mafalda bem ilustra a irônica e trágica situação atual.
Copiado de "Factoría Olaf"

A comunidade 2.0 e 3.0 mundial tem convocado protestos virtuais e sinalizado com boicotes, porém a representatividade da hospedagem de arquivos em servidores estadunidenses é deveras significativa e já está comprometendo seriamente importantes redes científicas de intercambio e construção de informação, conforme denuncia o prof. Dr. Zapopan Martín da Universidade de Sheffield:
"Caros colegas,
O periódico internacional, de acesso aberto e revisado por pares, "Critica Bibliotecologica: Revista de las Ciencias de la Informacion Documental" manifesta apoio aos cidadãos estadunidenses e aos usuários da Internet ao redor do mundo para protestar contra os seguintes atos dos EUA: SOPA (Stop Online Piracy Act), PIPA, e o Research Works Act feitos para dificultar a liberdade de informação na Internet e para dificultar o acesso e uso de informação por instituições mantidas com financiamento público!
Não ao SOPA dos EUA!
Não ao PIPA dos EUA!
Não ao Research Works Act dos EUA!
Não ao ACTA dos EUA!
E NÃO A QUALQUER LEGISLAÇÃO DRACONIANA DOS EUA (OU DE QUALQUER OUTRO PAÍS) QUE UNILATERALMENTE PRETENDA SUBMETER OS CIDADÃOS DO PLANETA A SEREM ESCRAVOS E CONSUMIDORES DE INFORMAÇÃO!!!!!!
JÁ É TEMPO DE OS CIDADÃOS DO PLANETA DESTRAVAR E QUEBRAR, POR QUALQUER MEIO, AS BARREIRAS À INFORMAÇÃO, AO CONHECIMENTO E À SABEDORIA QUE SÃO IMPOSTAS DE MODO IRREAL POR UM PEQUENO GRUPO DE GRANDES LADRÕES CAPITALISTAS E BURGUESES E POR VERDADEIROS PIRATAS DOS EUA, REINO UNIDO, CANADÁ, ITÁLIA, FRANÇA, ALEMANHA, JAPÃO, RÚSSIA E PELA MAIORIA DE SEUS GOVERNOS-FANTOCHES AO REDOR DO MUNDO, QUE EFETIVAMENTE ROUBAM E PIRATEIAM OS RECURSOS NATURAIS  DO PLANETA E AS CRIAÇÕES INTELECTUAIS E CULTURAIS PARA DEPOIS REVENDÊ-LAS AOS CIDADÃOS DO PLANETA A PREÇOS ESTRATOSFÉRICOS!!!!!!!!!!!!!!! 
A TODOS OS SERES HUMANOS QUE TÊM CÉREBROS E REALMENTE QUEREM UTILIZÁ-LOS:  VAMOS NOS SUBLEVAR E PROTESTAR EM CADA CANTO, EM CADA TRINCHEIRA AO REDOR DO PLANETA CONTRA ESSES GRUPELHOS DE LARÁPIOS CÍNICOS, CAPITALISTAS E BURGUESES ANTES QUE SEJA TARDE DEMAIS E TENHAMOS QUE PAGAR PELOS SINAIS DE FUMAÇA QUE IREMOS UTILIZAR PARA NOS COMUNICAR DEPOIS QUE NOSSO PATRIMÔNIO CULTURAL, CIENTÍFICO, TECNOLÓGICO E HUMANISTA FOR CONDENADO ÀS CINZAS PELOS ATUAIS LADRÕES CÍNICOS, CAPITALISTAS E BURGUESES!!!!!!!!!!!!!!!"
O furor do prof. Zapopan talvez seja um pouco exagerado (porém necessário) e reflete bem um risco real e de um processo que já se iniciou e que, certamente, terá consequências bastante perversas para a sociedade da informação no que tange à democratização do saber, seu acesso e construção dinâmica. Aqueles que quiserem melhor acompanhar o debate sobre a liberdade de expressão na Internet podem acessar a página da Electronic Frontier Foundation (EFF) e, em especial o artigo intitulado "Temos todo o direito de estar furiosos o ACTA". Para aqueles que ingenuamente creem que as novas normas dos EUA não lhes dizem respeito fica o antigo (e sempre atual) alerta:
Copiado de "Diplomática e Tipologia Documental - UnB"

domingo, 8 de janeiro de 2012

Quais são as partes de uma tese?

Copiado de Portal Virtual de Barcelona
Os iniciantes em pesquisa científica sempre tendem a achar que a formatação do trabalho é mais importante que seu conteúdo. Pululam na Internet modelos, templates, apresentações etc. sobre como apresentar e estruturar um trabalho acadêmico. A padronização, sem dúvida, é para lá de benéfica, porém ela não pode ser sobreposta ao mérito do trabalho acadêmico, que é, em última análise, o que garante a qualidade. Mas para que o mérito possa ser julgado é necessário que a pesquisa se, de algum modo, apresentada. A referência básica (notem bem, "referência", não camisa-de-força) é a norma ABNT NBR 14724 (disponível aqui em um domínio USP).

Em paralelo ao esquema bovino acima a referida norma apresenta os seguintes "cortes", que, juntos, compõem a totalidade do trabalho acadêmico. 
:
É importante destacar que, como o próprio cabeçalho diz, isso é um esquema. Um trabalho acadêmico não é como um mecanismo para qual basta juntar e montar corretamente uma série de componentes (parts, em inglês). A ideia da totalidade, do conjunto, do trabalho não pode se perder em função da adaptação a este ou aquele esquema, que prevê a divisão do trabalho em partes e sub-partes. Tais esquemas servem mais para representar a realidade do que para moldá-la. Tais partes são, então, representação de um ideal de trabalho. Recordo-me de uma palestra na qual Eduardo Tomanik provocou a audiência perguntando quais eram as partes que dividiam o Homem. Enquanto a platéia se dividia em palpites do tipo "cabeça, tronco e membros" e "corpo, mente e alma" ele interrompeu o zum-zum-zum dizendo que ele preferia permanecer íntegro, sem ser dividido em nenhuma parte...

A norma NBR 14724 propõe-se como modelo a ser seguido, como uma referência. Porém, do mesmo modo que existem outras possibilidades de cortes bovinos (ver, por exemplo, a deliciosa parrilla argentina) algumas variações podem ser encontradas. Na maioria das vezes representam apenas desconhecimento (ou descaso) com a ABNT, o que é grave; porém, outras vezes, constituem-se como opções deliberadas. Muitas revistas acadêmicas optam por criar normas próprias, derivadas da ABNT em maior ou menor escala. Outros periódicos científicos, por estarem interconectados em uma rede internacional, passam a seguir outros padrões, que podem ter âmbitos distintos, ligados, ou não a alguma normatização de cunho nacional. É muito comum que alguns periódicos hispânicos das Ciências Sociais Aplicadas pautem-se, por exemplo, nas nornas da APA (American Psychological Association). Muitas vezes a adoção ou modificação de normas relaciona-se com a utilização de softwares específicos que permitem de modo mais automático a inclusão de referências e a indexação do documento. 

A minha tese de doutoramento (USP, 2010 - baixe aqui) além de apresentar uma capa com imagem colorida, deliberadamente não trouxe capítulo de conclusão: 
Acreditamos ser desnecessária uma síntese final das idéias desenvolvidas ao longo do texto; deste modo, para evitar uma argumentação tautológica, optamos não apresentar um capítulo final, caracterizado como conclusão. (LOPEZ, 2010, p.6)
Recentemente vi na comunidade "Storytelling & Transmedia" do Facebook uma impressionante e divertida brincadeira com uma nota de rodapé em um capítulo introdutório:
Copiado de Trabalho Sujo
O mais importante não é criar as próprias normas ou, iconoclasticamente, desprezá-las. É fundamental bem conhecê-las e bem aplicá-las para, se necessário for, adaptá-las ou, mesmo, transformá-las. Do contrário, o pesquisador iniciante corre o risco de brincar de "aprendiz de feiticeiro" e colocar tudo a perder.

Além da mencionada NBR 14724, é importante conhecer as demais que norteiam a produção acadêmica. Veja post sobre esse assunto aqui.