Ambiente virtual de debate metodológico em Ciência da Informação, pesquisa científica e produção social de conhecimento

domingo, 15 de dezembro de 2013

Por uma postura institucional para a CI brasileira


Em fevereiro de 2013, um pesquisador nacional divulgou um alerta sobre a divulgação restrita de periódicos no site da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ciência da Informação, que apresentava, sob a rubrica "Periódicos em CI", apenas 15 títulos. O motivo do alerta referia-se a ausência de explicação ou justificativa para a seleção (veja post aqui) para a listagem de um universo tão restrito de títulos, já que em uma vista rápida às 1540 revistas elencadas pelo comitê de Ciências Sociais Aplicadas (que agrega à área da Comunicação) pode-se identificar pelo menos uma centena de periódicos diretamente ligados à CI. 

Após o alerta mencionado, a ANCIB (veja pagina aqui) anexou um link para a "Lista de periódicos e seus respectivos Qualis", que, surpreendentemente não remete ao sistema Web Qualis da CAPES, porém à uma relação, "sem pretensão de exaustividade" de "revistas científicas na na área de Ciência da Informação e Biblioteconomia, ano 2013 ". Não cabe no escopo deste post discutir (embora seja uma questão relevante) o porquê do documento se referir, no título, as áreas de CI e de Biblioteconomia como coisas distintas e não fazer menção à Arquivologia, Museologia etc... 

Esse documento, como um resultado de trabalho da própria ANCIB é algo importante, porém não atende aos objetivos de democratizar a informação, que deveria ser institucional, do portal; apenas ameniza o problema. Novamente, não são colocados os critérios para a não-exaustividade, com o aspecto positivo de trazer a relação de cerca de 75 títulos, ordenados pela classificação Qualis. A ideia de documento dinãmico de trabalho poderia ter sido explicitada. Se fosse esse o casso eu acrescentaria pelo menos mais três revistas à lista: Revista Arhivelor, da Romênia; Comma: international journal on archives, do Conselho Internacional de Arquivos; e Alexandría, da Pontifícia Universidad Católica de Perú. Eu e outros pesquisadores da área não teríamos o menor problema em, eventualmente, sugerir outros títulos e contribuir com o documento, caso fossemos convidados a opinar; algo que não ocorreu...

O que se coloca em questão não é a exaustividade ou não do documento de trabalho, mas o fato de que ele vem em segundo plano. É visualmente muito menos atrativo que a listagem apresentada acima dele. Não é exibido diretamente na tela, porem gravado no computador do usuário (o que, sem dúvida, gerará desistências de muitos internautas). Se considerarmos que o acréscimo do documento veio após o alerta feito em fevereiro de 2013, podemos deduzir que a questão foi debatida e que se decidiu manter inalterada a listagem dos 15 eleitos no portal. A listagem "selecionada" continua a dar o status de "certificação" da associação, algo do tipo revistas "recomendadas", em evidência da página, e as "outras", em documento anexo. Ou seja, é negar-se a trabalhar institucionalmente com uma informação pública e de interesse de toda a comunidade CI, optando por manter uma política diferenciada de divulgação, sem indicação clara dos critérios utilizados (casualmente nenhuma revista de Arquivologia aparece na listagem "VIP", talvez fosse o caso de discutir o título do documento anexo...).

Infelizmente tudo aponta que essa prática, no âmbito da CI brasileira é recorrente, como pode-se notar no portal do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da UnB (ver aqui), com relação aos quatro grupos de pesquisa destacados em janela "VIP", com um curioso detalhe: um dos grupos em evidência tem a diretora da faculdade como líder e os outros três selecionados correspondem aos grupos do PPGCINF que a coordenadora atual do programa lidera e/ou participa.
Espero que, em breve, os print screens reproduzidos neste blog tornem-se apenas o registro de uma prática em desuso, representando evidencias de uma realidade já transformada. Ficarei muito feliz em abrir o portal da ANCIB e o do PPGCINF e não mais  ver informação apresentada de modo desigual, sem critérios claros, definidos e isonomicamente aplicados. Hoje, dia 15 de dezembro de 2013, infelizmente, tais print-screens podem ser confirmados por qualquer internauta que aceda aos portais aqui mencionados em:
             > http://www.ancib.org.br/pages/periodicos-em-ci.php
             > http://www.ppgcinf.fci.unb.br



EM TEMPO: 
Hoje. 23/mai/2014 pude perceber que a Ancib mudou seu portal (acesso aqui) e que a listagem de revistas agora é bem mais abrangente. Os links disponibilizados redirecionam para o Laboratório de Tecnologias da Informação da UFPB (LTI), que criou duas páginas: uma nacional (aqui) e outra estrangeira (aqui). A solução, mesmo que possa ser institucionalmente discutível, já que vincula à associação ao trabalho de um grupo externo a ela, me parece uma ótima opção; muito mais abrangente e democrática. Espera-se que o LTI consiga dar continuidade ao bom trabalho e mantenha um trabalho constante de atualização da listagem.
Já o PPGCINF... Com a saída da ex-coordenadora os links preferenciais dos grupos que participa/dirige foram eliminados, restando apenas o da atual diretora da faculdade:


EM TEMPO II:
Hoje, 04/dez/2014 o PPGCINF finalmente promoveu a isonomia na informação dos grupos em seu portal, redirecionando o link "Todos os grupos" para uma página específica na qual, em ordem quase cronológica, dentro de cada linha de pesquisa, está contemplada a totalidade dos grupos do programa, sem informação privilegiada para qualquer um na aba inicial.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Qual a diferença entre co-autor e orientador?

A questão da co-autoria em trabalhos científicos muitas vezes reflete situações hierárquicas de aspectos éticos bastante discutíveis, como é o caso, nas ciências exatas de haver a necessidade de incluir pesquisadores responsáveis por facilitar o uso de determinados equipamentos de laboratório no rol dos autores do paper resultante de tais experiencias. Tal prática, obviamente, nunca é assumida explicitamente, porém é bastante usual. Já conheci pesquisadores que ao início do ano, à época de lattesjar (ver post aqui sobre a conjugação do verbo), não tinham ideia de quantos artigos haviam publicado no ano, pois ainda não haviam recebido informações sobre o que seus colaboradores de laboratório haviam publicado. 

Em outros contextos, como forma de "impulsionar" a produção científica institucional de programas de pós-graduação (leia-se geração de indicadores), obriga-se a que os alunos publiquem em co-autoria com seus orientadores, como, é o exemplo do PPCINF/UnB (baixar regulamento aqui). A questão é delicada, pois, de algum modo, o orientador é realmente co-responsável pela pesquisa de seus discípulos, porém, por outro lado, a coisa poderia se configurar como exploração do trabalho intelectual. Obviamente o bom senso e o equilíbrio ético, que deveriam funcionar como balizadores e impedir abusos e distorções, nem sempre são eficazes. Há na história acadêmica uma infinidade de casos que servem de alerta para que analisemos a questão com mais cuidado. 

Em um debate iniciado na web, há mais de quatro anos, a Faculdade de Engenharia da UERJ relata decisão judicial, em favor de aluna de pós-graduação, na qual o professor orientador, juntamente com a instituição, foram condenados por usurpação de autoria de trabalho científico (ver nota aqui). Um dos argumentos da sentença foi embasado no artigo 15º da Lei do Direito Autoral (9.610/98) que, em seu inciso primeiro diz que "Não se considera co-autor quem simplesmente auxiliou o autor na produção da obra literária, artística ou científica, revendo-a, atualizando-a, bem como fiscalizando ou dirigindo sua edição ou apresentação por qualquer meio". Esse aspecto legal é bastante relevante, pois descreve grande parte das atribuições de um orientador com seu pós-graduando. Não é o caso de afirmar que a relação orientador-aluno se resuma a isso e nem que tal atitude deva ser desejável, mas o fato é que me parece necessário repensar quais são os limites dos méritos a serem atribuídos à atividade docente (no sentido lato, de ajudar a formar e construir conhecimento).

O outro lado delicado da relação orientação co-autoria reside na "transferência" de responsabilidade do discente a seu mestre, fazendo com que, pela simples indicação de autoria coletiva, acessos a revistas e congressos possam ser abertos. No caso da Ciência da Informação no Brasil, há algum tempo que os encontros nacionais da área não aceitam sequer avaliar propostas de pos-graduandos que não venham compartilhadas por seus orientadores.

Em janeiro de 2013, no congresso Ciencias, Tecnologías y Culturas. Diálogo entre las disciplinas del conocimiento. Mirando al futuro de América Latina y el Caribe, promovido pelo movimento intelectual Internacional del Conocimiento (ver página aqui) passei pela desagradável situação de haver 8 certificados em meu nome, quando o regulamento do evento não permitia apresentar mais do que dois trabalhos, por conta de alunos que reproduziram, quase que automaticamente, o hábito nacional de sempre colocar o nome do orientador em todas os seus produtos acadêmicos. Felizmente havia outros colegas brasileiros em situação semelhante, o que provocou uma reunião da comissão organizadora, que revisou as limitações. Eticamente apenas trouxe na bagagem os trabalhos nos quais a co-autoria representou um efetivo trabalho de equipe, e não uma assessoria docente ao trabalho de meu aluno (algo que é inerente de minha condição de orientador), deixando no Chile 4 certificados preenchidos com o meu nome.

A questão é, sem dúvida, delicada e toca em práticas consolidadas de algumas áreas, além de retomar o eterno debate sobre os limites da compreensão da esfera da Justiça Pública em relação ao universo científico. Porém é necessário que, seja como autores ou seja como co-autores, passemos a repensar nossa relação com a produção do conhecimento científico, sempre lembrando que pelos argumentos embasados na tradição ("sempre foi assim", "é uma prática já consolidada" etc.) as mulheres não poderiam votar e a escravidão ainda seria legal. 

A imagem escolhida para ilustrar o post busca representar um momento de comunhão de equipe, o que deveria ser a regra na elaboração de trabalhos em co-autoria...