André Porto Ancona Lopez*
Na noite de sexta feira fui surpreendido com uma correspondência eletrônica do colégio de meu filho de 13 anos que apenas comunicava que, para dar mais espaço ao ensino universitário, o colégio cessaria suas atividades no final deste ano. A nota buscava justificar o injustificável buscando a autoridade de, pasmem, Paulo Freire e convocava para uma reunião explicativa no "dia 29/09, 5ªf" (sic). Basta olhar o calendário para ver que dia 29 é 4ªf. Será que ao longo dos 33 anos de experiência da instituição além do respeito ético com os pais e os educandos ela perdeu também a noção do tempo?
Fechar (sem eufemismos hipócritas como "suspensão de atividades") o estabelecimento de ensino médio e fundamental em nome de ampliar o lucro do ensino universitário não tem nenhuma relação com Paulo Freire, apenas com Tio Patinhas. Por acreditar e confiar na proposta daquela instituição e por acreditar que ela era diferenciada das demais, com todos os onus advindos do processo, minha esposa e eu mudamos nosso filho de escola no começo de 2010. O motivo principal foi a escola anterior dele estar ampliando a infraestrutura do ensino superior e relegando o ensino médio e fundamental, o que nos desagradou a ponto de buscamos outra. Seria engraçado, se não fosse trágico, poder reproduzir o excelente discurso feito pelo novo colégio a respeito das diferenças entre projeto educacional e projeto empresarial! O que dizer sobre a formação integral pensada em educação e em valores. Confesso que fui ingênuo em acreditar que os valores aos quais aquela nova escola se referia não eram valores monetários.
Onde está a ética ao comunicar por e-mail, em uma noite de sexta feira que nosso filho, mais uma vez, pelo segundo ano consecutivo, irá mudar de escola, e refazer todo o processo de inclusão, socialização e adaptação em um ambiente no qual os colegas já terão os laços de amizade consolidados? Qual será o impacto disso para o desenvolvimento dele? Será que isso importa à mantenedora (mais um eufemismo), tão hábil em recortar e colar Paulo Freire, posto que o impacto com o qual ela se preocupa é o financeiro. Cadê o compromisso educacional com a formação deste jovem que foi confiado (mediante pagamento) ao colégio? Pelo visto os valores monetários dados para tal relação se estabelecesse eram insuficientes para que o colégio fosse recíproco em relação à confiança que lhe fora depositada. O depósito que interessa ao colégio não é bem a confiança.
A "reestruturação do campus universitário" indicada na carta é apenas mais um eufemismo para dizer que o espaço que hoje é ocupado pelo colégio será destinado à universidade. Exemplos como o do adulto maior tomando o doce da criança, do maior expulsando o menor, indicam os valores reais que regem as atitudes desta instituição e seu compromisso moral. A dúvida que fica em tal eufemismo é saber se as atuais salas de aula das crianças irão apenas ser ocupadas pelos estudantes adultos ou se um novo prédio será construído no local. Para essa última possibilidade talvez fosse o caso de o colégio pensar em construir uma caixa forte, assim Tio Patinhas não teria, nunca mais, que passar a vergonha de expulsar crianças não tão rentáveis de seus domínios. Talvez fosse até o caso de repensar a campanha publicitária da instituição com um novo slogan: "NÓS: FAZEMOS TUDO POR DINHEIRO", afinal as atitudes atuais não convergem com a "Visão" apregoada pelo colégio em seu site, ideal para dar uma pitada de ironia ao achincalhamento moral da instituição:
"O Colégio (...) busca formar uma sociedade mais justa, humana, fraterna e democrática, com seres humanos críticos, politizados, com ampla visão de mundo, capazes de superar os preconceitos sociais e usufruir de seus direitos e deveres.”
Claro, o colégio, Papai Noel e o Coelho da Páscoa...
O mais triste é que o colégio estava, de fato, fazendo um excelente trabalho e foi atropelado pelos interesses nada educacionais dos "empresários da educação", que apenas reflete a tendência atual da falta de rumos quanto ao pilar mais estruturante da sociedade A opção por fortalecer o ensino universitário, em detrimento de investir na qualidade do ensino médio e fundamental, além de ser lucrativa, dificulta a elevação do nível da universidade, porque cada vez mais nossos alunos chegam menos preparados -- e isso faz o negócio ser mais lucrativo ainda -- por quatro fatores: a) aumento de demanda, posto que o ensino médio é insuficiente para realizar formação técnica-profissional; b) barateamento do custeio, posto que alunos menos preparados não terão parâmetros para analisar o que lhes está sendo oferecido (e acharão que o guia Abril reflete parâmetros oficiais avaliação); c) redução de riscos com maior garantia de preenchimento de vagas, posto que o governo através de programas como o PRO-UNI reduz a inadinplência dos alunos; d) melhor relação custo-benefício por aluno, posto que as classes podem ser maiores, com necessidades de contratação de pessoal bem inferiores às exigidas na educação de menores de idade (auxiliares, psicológos, pessoal de apoio etc.).
Hoje, em Brasília, a maior rentabilidade do atendimento aos adultos em relação às crianças está levando o setor de pediatria à beira do colapso de atendimento. Depois da saúde parece que o processo começa a se repetir com a educação, com total omissão do estado. Não é por acaso que na mesma semana em que o GDF anuncia o fechamento de uma escola classe na Asa Norte inicia-se o processo de divulgação do projeto de uma universidade do GDF. Ao invés de se investir em educação básica de qualidade opta-se por investir no ensino de 3º grau sem considerar qual será o nível de formação inicial dos futuros universitários. Ao invés de ajudar a reduzir o processo de sucateamento da UnB como universidade pública de excelência, busca-se criar mais uma. No caso público, com um investimento menor têm-se mais Ibope; no caso particular com um investimento menor têm-se mais lucro.
Enquanto tudo isso acontece, a sociedade se cala, os economistas comemoram o sucesso da Bovespa e o Tiririca começa a escolher a mansão onde irá morar em Brasília. Será que eles pensam no sistema educacional no qual seus filhos, netos e bisnetos estudarão? O dinheiro , tanto das cuecas, como de nosso trabalho honesto e suado, não é mais capaz de comprar um atendimento particular pediátrico de qualidade por que o produto está em falta. O dinheiro não é mais capaz de comprar uma educação básica particular de qualidade porque o produto está ficando escasso. As consideradas boas escolas que ainda o oferecem, dada a demanda, o fazem de modo cada vez mais massificado e/ou -- como o recente caso de outra escola tradicional que não permitiu (de modo vexatório) que um aluno com botas ortopédicas participasse de um excursão porque elas não eram impecavelmente pretas -- confundem educação com treinamento disciplinar. Como diz a célebre frase dos índios norte-americanos, inúmeras vezes reproduzida por diversas entidades: "Quando a última árvore tiver caído, quando o último rio tiver secado, quando o último peixe for pescado, vocês vão entender que o dinheiro não se come".
André Porto Ancona Lopez é Prof. Dr. da Universidade de Brasília, integrante, como escotista, do maior movimento educacional (reconhecido pela UNESCO) do planeta e pai de um futuro ex-aluno (forçado) do Colégio CEUB.
Eis aqui a íntegra da esclarecedora correspondência da "mantenedora":
>Em 24 de setembro de 2010 20:11, Mantenedora do Colégio CEUB <colegioceub@educacional.com. br> escreveu:
Brasília, 24 de setembro de 2010.Assunto: Suspensão das atividades do Colégio CEUB para o ano de 2011.
Sr. Pai ou Responsável,
O Colégio CEUB, em seus 33 anos de existência, tornou-se uma instituição reconhecida por trabalhar com a educação em várias dimensões que promove aos seus alunos reflexões constantes da realidade circundante e o entendimento de sua importância na formação de uma sociedade mais justa, fraterna e democrática, onde a sua missão é, também, ser feliz.
Conforme Paulo Freire, na medida em que o homem cria, recria e decide, as épocas históricas vão se formando. Diante desse processo, mudanças tornam-se inevitáveis e, quase sempre, decorrentes de tomadas de decisões difíceis.
Ciente do cumprimento do papel do Colégio CEUB na formação dos jovens durante todos estes anos, o Centro de Ensino Unificado de Brasília – CEUB, mantenedora do colégio, visando à reestruturação do campus universitário e à expansão do ensino superior com a implantação de novos cursos, resolveu suspender por 2(dois) anos as atividades de sua instituição mantida, a partir de 2011. Ao mesmo tempo, manifesta com orgulho, a sua gratidão ao seu corpo administrativo e docente que, com grande dedicação ao longo desses anos, se empenhou em fazer cumprir a nossa missão.
Agradecemos aos senhores a confiança que nos foi concedida e contamos com a compreensão de todos nesta difícil decisão. Assumimos o compromisso de proporcionar meios que possam minimizar as conseqüências desta ação que se faz necessária no presente momento.
Aproveitamos a oportunidade para convidá-los para reunião que ocorrerá no dia 29/09(quinta-feira), no auditório do bloco 1, nos seguintes horários:
- Ensino fundamental, às 17h30
- Ensino médio, às 19h30
Atenciosamente,
Getúlio Américo Moreira Lopes Lucia Maria Moreira Lopes de Oliveira
Diretor presidente do CEUBDiretora do Colégio CEUB